sábado, 27 de julho de 2013

MISSÃO INTEGRAL: A MISSÃO DE DEUS PARA A IGREJA




BUSCANDO UMA DEFINIÇÃO

O tema Missão Integral é por demais amplo, no qual missiólogos e teólogos encontram várias definições. Numa tentativa de buscar uma resposta sobe este importante tema, concordo com o pensamento de Ariovaldo Ramos quando cita  Ziel Machado afirmando que missão integral, é uma proposta missiológica a partir de uma perspectiva do Reino de Deus. Por esta definição, compreende-se que a proposta da Missão Integral, está profundamente relacionada à anunciação de um novo Reino que é inaugurado com a chegada do Messias que por sua vez, nos chama para uma missão em que somos desafiados a encarnar os valores deste Reino ensinados e praticados por Jesus. 

Como veremos mais adiante, a proposta da missão integral não está limitada apenas a prática de assistência social realizada em algumas das comunidades evangélicas, também não é uma ideologia com fundamentos humanistas ou uma variante da teologia da libertação, como também não é uma bandeira que favorece única e exclusivamente os pobres ou muito menos uma estratégia evangelística. Mas a missão integral aponta para uma restauração da criação de forma integral (ver Gn.3). Isso implica em não apenas pregar o evangelho em palavras, mas deve haver uma disposição da igreja no exercício de ações comunitárias em benefício da sociedade e transformações nas estruturas políticas, sociais e econômicas. Portanto, missão integral é uma proposta missiológica que tem como alvo encarnar os valores do Reino de Deus. Logo, estes devem ser vivenciados pela Igreja do Senhor Jesus, a agenciadora deste Reino aqui na terra.

Deus através da Pessoa do Filho encarnado aproxima-se da criação como a expressão total e completa da missão do Pai. Jesus Cristo em seu ministério terreno anuncia as boas novas do Reino, prioriza a mensagem do evangelho aos pobres, cura os enfermos, assiste os necessitados, liberta os cativos, alimenta os famintos, quebra as barreiras religiosas, geográficas, econômicas e culturais. Em fim, Jesus em sua missão, é a revelação do grande amor de Deus pela criação de forma perfeita, total e completa.

AS BOAS NOTÍCIAS DO NOVO REINO

A chegada do novo Reino traz consigo novas e boas notícias. A primeira é que este Reino tem suas portas abertas para todos que queiram ver e entrar nele. Todos são chamados para fazer parte do Novo Reino. A experiência do novo nascimento, (pois quem não nascer da água e do Espírito pode ver e entrar nele Jo. 3.1-15), abre a porta para uma nova experiência de vida com o criador. No Reino, é anunciada a chegada uma nova perspectiva na busca de uma espiritualidade centrada na pessoa de Jesus de Nazaré. A chamada é para uma nova maneira de viver, adorar e se relacionar com o Rei.

Neste novo Reino, não há acepção de pessoas. Todos tem livre acesso ao palácio. No Reino, quem entra não são apenas os da corte, mas os plebeus são considerados bem vindos, não há subordinados e comandantes pois aquele que quiser ser o maior, antes seja o menor com disposição para servir ao outro (Mc.9.33-37; Mt.18.1-5; Lc.9.46-48). O Reino de Deus não prioriza os religiosos, pois estes querem status, poder para dominar e posição privilegiada entre o povo. O Reino é de todos e para todos. Para ter acesso a sala do trono Real não é preciso marcar audiência, pois o Rei Jesus exerce o reinado da convivência entre os mais desfavorecidos, é o Rei habitando em nós (Ef. 2.22; 3.17; Tg. 4.5;), e os que amam a Deus poderão habitar nele (Jo.14.23). Não é um reinado transcendente, mas pessoal onde Jesus de Nazaré se faz presente e agente na história humana.   

O Rei dos reis nasceu entre os pobres e viveu entre eles. Em sua entrada triunfal em Jerusalém encontramos um cenário marcado pela simplicidade. Sua chegada como Rei acontece de maneira simples. Montado em um jumentinho emprestado, em meio a esta cena, a multidão o recebe também de maneira simples, estendendo suas vestes e ramos que haviam cortado dos campos (Mc.11.1-11; Mt.21.1-17; Lc.19.28-40; Jo.12.12-19). A chegada de Jesus de Nazaré como Rei de Jerusalém faz um contraste com as cerimônias realizadas em impérios terrenos que quase sempre são marcadas pela vaidade e grandeza de suas liturgias.   
Em Jesus é chegado o novo Reino. É anunciada a salvação eterna na pessoa do Cristo, um Reino de paz, justiça, alegria no Espírito Santo, obras de Justiça, misericórdia, perdão, ausência do eu, caridade, fé, missão, um reino onde não há superiores, pois todos estão debaixo da soberania do Rei que em sua humanidade não julgou com usurpação, aceitou a humilhação, esvaziando-se de si mesmo assumindo a forma de servo, e não quis ser igual a Deus, expressando em sua maneira de viver a prática da humildade, do perdão, da misericórdia, do servir, em tudo, sendo submisso fazendo a vontade do pai até a morte no calvário (Fp. 2.5-11; Jo. 6.38-40). No sacrifício vicário de Cristo, todos podem por meio do novo nascimento entrar e ver o Reino e assim fazer parte dele (Jo. 3.1-15). 

A segunda boa notícia é que “o Reino de Deus não faz escravos, não faz prisioneiros, o Reino de Deus só liberta”. (Ariovaldo Ramos). Ao contrário dos reinados terrenos da época que aprisionavam seus adversários que eram vencidos na guerra, tornando-os escravos, no Reino de Deus é proclamada a todos os povos a mensagem de libertação.

Libertação do sistema religioso. Na proposta do Reino anunciada por Jesus, todos que entrarem no Reino, são libertos dos grilhões do sistema religioso. Disse Jesus: “Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre voz o meu Jugo e apendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve”. (Mt. 11.28-30).

Em outras palavras, Venham todos vocês que estão acorrentados, pelo sistema religioso dos Fariseus hipócritas que vos oprime, impondo leis que nem mesmo eles conseguem cumprir. Venham! Este Reino traz salvação e liberdade. Esta é mais uma das boas notícias do Reino. Salvação aos cativos e oprimidos pelo sistema religioso. Jesus chama seus súditos a aprender do Rei que não escraviza e não tortura os que estão sobre seu domínio, mas traz boas novas de libertação, de vida, de um relacionamento amoroso e paternal com o criador.
Todos são chamados a aprender do mestre a prática do exercício da mansidão e da humildade. No Reino, a obrigatoriedade da lei, e suas minúcias, são substituídas pelo ensinamento de Jesus de Nazaré focados numa espiritualidade de relação pessoal com Deus e o interior humano, e não mais na estética onde no sistema religioso, a espiritualidade é medida pala aparência. Em Jesus, o discípulo é liberto dos preceitos do legalismo que por sua vez traz vida, pois a letra mata, mas o Espírito vivifica (Rm. 2.29; 7.6; 2 Co.3.6;).

A suavidade do Jugo e a leveza do Fardo proposto por Jesus revela seu amor na missão. Como expressão maior do autor da missão (Deus), Jesus acolhe a todos que estão sufocados, sobrecarregados e oprimidos pelo sistema religioso. Na missão de Deus, as portas do calabouço religioso são abertas para trazer liberdade aos cativos e assim desfrutarem das bênçãos do Evangelho do Reino.

Livres das algemas da religiosidade  para serem escravos do amor de Deus em Cristo Jesus (1Co.7.22). Agora libertos, encontramos verdadeira liberdade, que por sua vez gera em nosso coração  uma atitude de verdadeiro arrependimento manifestando a presença do Espírito Santo, pois sua atuação é também sinal de libertação (2.Co.3.17; Gl.5.13). No Reino, a cortina de fumaça criada pelo sistema religioso que encobre a maravilhosa graça na missão de Deus, é retirada pela anunciação das boas novas do Evangelho, trazendo assim visualização para aqueles que têm livre acesso a ele.       

Então, o Reino também anuncia a todos a palavra da liberdade em Cristo Jesus. A liberdade de conhecer Deus, submetendo-se ao seu poder e autoridade, e com ele cooperar na missão, transpondo os limites e barreiras que a religião criou no que se refere à relação Deus e criatura, conhecer sua vontade e seu projeto de restauração para a criação, envolver-se na integralidade da missão, amar a criação e o criador, é a Igreja interagindo na missão integral de Deus.

Libertos dos grilhões do pecado e da morte. O evangelho do Reino traz também poder libertador para os cativos em prisões de sua própria natureza pecaminosa. Em Cristo Jesus, encontramos a liberdade por intermédio do poder transformador do evangelho. Disse Jesus:“Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo. 8.36). Eis outra grande notícia. O evangelho de Cristo que transforma, liberta, cura, acolhe, perdoa, um novo Reino que traz consigo uma proposta de nova vida para aqueles que entrarem nele. Agora somos livres para amar, servir, perdoar, compartilhar, acolher, isto é encarnar os valores do Reino pregado e vivido por Cristo.

Uma vida liberta reflete a imagem e caráter de Jesus. Ser verdadeiramente livre nos desafia a viver não para nós, mas para o outro, nisto, o discípulo pode ser chamado de bem aventurado. Feliz é o discípulo que goza da liberdade para ser humilde de espírito, pacificador, manso, intercessor, faminto por justiça, misericordioso, limpo de coração e sofredor nas perseguições por causa do evangelho do Reino. Feliz é aquele que abre mão dos seus próprios interesses em benefício do próximo, para que possa assim deleitar-se e viver esta liberdade em Cristo Jesus.

Agora libertos do pecado, no sentido de não ser mais escravo dele, passamos a servir a Cristo Jesus.

Gill comenta:

Agora os eleitos de Deus não são liberados voluntariamente por seus antigos mestres, nem é a sua liberdade obtida por seu próprio poder e vontade, mas é de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo; e o Evangelho é geralmente o meio dela, e felizes são as pessoas que são abençoados com ele! São livres de um mestre ruim; são liberados do pior da servidão; haverá mais servos, como antes, são entregues a partir do poder, e fora do reino das trevas; são herdeiros do céu, e beneficiam da liberdade da glória dos filhos de Deus, e para o presente momento tornar-se servos da justiça; servos de Deus, cujo Evangelho obedecem; servos de Cristo, cuja justiça se submetem a, e servos para a lei de justiça, como manifestado por Cristo e dão-se a si mesmos em um curso e vida de retidão , em que há verdadeira honra, paz e prazer”.(Fonte: http://biblecommenter.com/romans/6-18.htm).
Esta liberdade nos torna servos do Cristo. Não servimos mais ao pecado que outrora estávamos encarcerados nele, mas de boa vontade devemos aceitar o convite do mestre para servir em seu Reino com ações voluntárias, livres de qualquer opressão, descontentamento, domínio e práticas que exteriorizam em extremo nossa maneira de servir, pois servir sem liberdade é sinal de aprisionamento.

A terceira é que o Reino de Deus é manifesto pela prática da justiça.
“Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão fartos”. (Mt. 5.6). Bem aventurados os perseguidos por causa da justiça porque deles é o Reino dos céus. Bem aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo o mal contra voz. “Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram os profetas que viveram antes de voz”. (Mt.5. 10-12).

A prática da justiça sempre esteve marcada na história do povo Hebreu e da igreja cristã. Observa-se a impressionante declaração do Salmista denunciando as autoridades da época quanto à questão das injustiças aos mais desfavorecidos pedindo justiça por eles.

“Falai verdadeiramente justiça ó juízes? Jugai com retidão os filhos dos homens? Longe disso; antes no intimo engendrais iniquidades e distribuis na terra a violência de vossas mãos.” (Sl.58.1-2).

Esta denuncia feita pelo salmista é direcionada não apenas aos juízes, mas também aos pastores, profetas e sacerdotes que usavam da autoridade para benefício próprio, desprezando os mais desfavorecidos.

Mais adiante, Salomão faz uma exortação quanto à necessidade de não se calar diante das injustiças cometidas aos pobres.

“Abre a boca, julga retamente e faz justiça aos pobres e necessitados” (Pv.31.9).
Silenciar diante das injustiças para com os mais desfavorecidos pode ser uma maneira de demonstrar nossa timidez ou covardia diante da verdade e justiça de Deus para com a criação.    

Davi e Salomão foram Reis que direcionados por Deus, de alguma maneira se preocuparam com a questão da justiça aos necessitados.    
A prática da justiça foi incansavelmente pronunciada não somente por reis, mas também pelos profetas do AT, que levaram como uma das marcas registradas de profetas de Deus, denunciar as injustiças sociais, econômicas e políticas da época. Vejamos ,este relato do ministério do profeta Elias.

São nos capítulos 18 e 19 do livro de 1Reis que encontramos o relato da vocação do profeta Elias como denunciador das injustiças. O profeta sem meias palavras denuncia a falta de fidelidade do povo de Israel. Ele lança um desafio ao povo dizendo que eles deveriam tomar uma posição a cerca de quem eles deveriam seguir.  Deus ou baal. Elias se depara com o silencio do povo (1Rs.18.21). A atitude do profeta em lançar o desafio ao povo para escolher que deveria seguir, revela a situação do contexto em que o profeta Elias se encontrava. Certamente não havia discernimento o bastante da parte do povo para ver o quanto Deus odeia a injustiça. Isto levava o povo a uma confusão quanto as suas convicções no tocante a quem eles deveriam servir. Neste contexto, tanto o povo quanto as autoridades não demostravam senso de justiça.

Percebe-se o grande desafio do profeta diante de um momento crítico do reinado de Israel. O casamento de Acabe com Jesabel trouxe sérios problemas para a nação. A matança de profetas, a incredulidade do povo e as injustiças sociais eram problemas desafiadores para um profeta, que tinha como missão, ser o porta voz de Deus de maneira direta ao povo. Dentro de sua vocação, o profeta é desafiado a transmitir uma palavra profética ao povo e lideranças da época, no qual deveria levá-los ao arrependimento. Desafio semelhante ao do profeta João Batista no NT, onde o contexto era bastante semelhante ao do tempo do profeta Elias.

Semelhantemente estas experiências aconteceram com Ageu, Jeremias, Malaquias, Eliseu e outros Profetas que sofreram e foram perseguidos por causa da Justiça. Observe as palavras de incentivo de Jesus aos seus discípulos em Mt. 5.12 sobre a missão da prática da justiça.
Com a chegada do Reino, a anunciação e a prática da justiça é manifesta aos homens apontando Jesus como a revelação da perfeita justiça no qual desafia seus seguidores a ter fome e sede por ela. (Mt.5.6). Logo, a justiça de Deus toma dimensões alargadas trazendo salvação e libertação que por sua vez leva o discípulo a ter fome e sede de justiça. O discípulo uma vez alcançado pela justiça divina deverá exercer a pratica desta para com o próximo. É bem provável que Jesus está estimulando seus discípulos por meio do ensino teórico e prático, o exercício da justiça para com os mais desfavorecidos visto que ele mesmo viveu esta prática em seu estilo de vida. Os discípulos Deveriam praticar o ensino de Jesus sobre economia, prestar solidariedade aos necessitados, não se conformar com as injustiças praticadas pelas autoridades da época e se esforçar na prática do bem (At.2.44-45; 6.1-7; Rm.2.7; 15.26; 1Co.16.1-2; Tg.2.14-26;).   

O apostolo Paulo escrevendo aos irmãos da igreja de Roma, adverte-os a não se conformarem com a corrupção deste mundo, mas desafia-os a tomar uma postura diferente (Rm.12.2). Agora dotados da mente de Cristo (1 Co.2.16), deveriam denunciar as injustiças que estavam impregnadas nas estruturas políticas, religiosas, culturais e sociais e econômicas  da época. Então, evidencia-se na vida dos discípulos uma profunda identificação com Cristo ,e os profetas do AT. Não é difícil observar que o incentivo de Jesus feito aos seus discípulos no sermão do monte quanto à questão da perseguição por causa da justiça, se evidencia na fala e na vida dos apóstolos (Mt.5.11-12; Rm.12.2;1 Co.2.16;At.2.44-45).

O ministério de Jesus foi marcado também por sua preocupação com os pobres. A eles, é anunciado as boas novas de salvação (Mt.11.5; Lc.7.22). No ministério de Jesus ele pregou para ricos, comerciantes, cobradores de impostos, políticos e religiosos. No entanto, destaca-se a prioridade para com os pobres. Jesus foi ungido para pregar o evangelho aos pobres (Lc. 4.18), ensina a disposição de compartilhar bens com os pobres, liberta os indivíduos do sistema religioso como também ensinou que o compartilhar é um pré-requisito para ser discípulo (Mt.19.21; Mc.10.21; Lc.18.22). Pela graça se fez pobre por amor aos discípulos, para que pudessem ser beneficiados com as riquezas celestiais (2 Co.8.9), aprova a atitude daqueles que se compadecem dos pobres (Lc.19.8), desafia seus seguidores a renunciar tudo quanto tem e partilhar para serem seus discípulos (Lc.14.33).

Em seu ministério, Jesus quebra barreiras sociais. O contexto da época foi marcado pela injustiça para com os pobres e domínio do império romano. Com a chegada do Reino, nasce uma nova esperança para aqueles que não têm a ninguém para recorrer se não a Deus.
Vanderlei Gianastacio cita Richard Horsley que diz: “É num contexto social de imperialismo romano que Jesus apresenta a sua mensagem. Proclamava a presença ou a iminência do reino de Deus, por meio da sua prática, bem como fazia curas, exorcismos, alimentação das massas e apresentação de valores relacionados com a aliança. Não era algo tão simples para Jesus, pois a Galileia, onde o Senhor vivia e cumpria sua missão, era dominada pelos exércitos romanos que tinham invadido ali décadas antes. As crianças de alguns anos anteriores ao nascimento de Cristo ficaram traumatizadas com a brutalidade da invasão, pois aldeias foram queimadas, regiões foram invadidas, as pessoas sadias foram escravizadas e os incapazes, eliminados” (HORSLEY, 2002, p. 21).

Esta é uma forte razão para crermos que a missão de Deus é integral. O contexto social da época de Jesus aponta para a injustiça cometida por parte das autoridades, o Reino de Deus surge também como um alívio aos cansados e massacrados pelo terrorismo escravizador do império romano.

Para eliminar o mal entendido quanto à questão da missão integral, Deus tem sempre como prioridade a salvação eterna do homem pela sua maravilhosa graça (Ef.2.8-10), acredito que para que haja transformações na sociedade é preciso corações transformados, e como sabemos somente a graça de Deus tem poder para isto. A missão integral no tocante ao homem é salvar o espírito e cuidar do corpo, estendendo-se em sua abrangência almejando restaurar os sistemas políticos, sociais, econômicos e religiosos, restaurar o que foi prejudicado pela queda no Éden. Os do Reino não podem se conformar com este mundo, mas tem a missão transformá-lo pela nova consciência que receberam em Cristo Jesus (Rm. 12.2).

Não pode haver dicotomia entre responsabilidade social e evangelização. Carlos Queiroz faz uma citação de John Stott em seu artigo evangelização e conflito com a teologia do evangelho social que diz:     

“A ação social e a evangelização são como as duas lâminas de uma tesoura, ou como as duas asas de um pássaro. (...). Tanto a evangelização pessoal quanto o serviço pessoal são expressões da nossa compaixão. Ambos são formas de testemunhar de Jesus Cristo, e ambos deveriam surgir de reações sensíveis às necessidades humanas” (STOTT; 1983: p. 21 e 39).
Como veremos mais adiante, o proposito da missão para a igreja é amar a Deus e sua criação, amar a criatura e o criador, proclamar o evangelho, acolher o necessitado, não se calar diante das injustiças, é cumprir a missão de Deus tendo como modelo a pessoa de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Russel P. Shedd em seu livro a justiça Social e a Interpretação da Bíblia faz importantes considerações sobre a questão das opressões sobre os Hebreus pobres e desfavorecidos daquela época. Vejamos:

“Deus é proprietário absoluto e original das terras (Sl 24.1; 50.12; Dt. 10.14), portanto, o titulo de propriedade para qualquer parte dela não concede direitos totais de posse aos proprietários humanos. Desde que os Hebreus pertenciam a uma sociedade agrária, a restauração das terras alienadas dos primeiros donos eram uma clausula importante na legislação divina. “Também a terra não se venderá em perpetuidade, porque a terra é minha...” (Lv.25.23). A tendência humana natural de adquirir mais e mais terra, criando um monopólio não deveria ser permitida. Em lugar de fracos e pobres serem forçados à escravidão, em épocas de dificuldades, seja de fome ou de tragédia pessoal, (como no caso de Noemi, Rt.1.1; 4.1-11), eles podiam começar de novo. Do mesmo modo, os escravos israelitas (reduzidos a servidão em tempos de crise e incapacitados de pagar uma dívida) deveria ser libertado em intervalos de sete anos pré-estabelecidos (Dt.5.12). As mulheres também tinham seus direitos protegidos por lei. Os que cometiam assassinatos não-premeditado podiam encontrar proteção permanente contra o vingador do sangue mudando-se para uma das cidades de refugio providas em lugares convenientes na terra”.(SHEDD; 1984, p. 08).

Sobre a questão da prática da justiça Shedd diz:

“Uma vez que Deus odeia a opressão, ele quebrou as algemas da servidão de Israel (Ex.23.10; Dt.15.15). Por ser o doador da prosperidade, e distribuidor da riqueza, Deus exige que sua generosidade seja reconhecida com gratidão e louvor (Dt.8.11-20), acompanhada de um compromisso com a justiça. Deus é Deus de misericórdia, portanto exigiu o cancelamento das dívidas e empréstimos em tempos determinados (Dt.15.1-6), e mostra, então, o modelo desejado para ser seguido pela nação em que é reconhecido”.  (SHEDD; 1984, P.09).

Para Shedd, Deus em sua rica misericórdia sempre se preocupou com os desfavorecidos, estabelecendo leis que ajudaram os pobres em momentos de crise. O texto revela de maneira clara o desejo do coração de Deus quanto à questão da injustiça social. A justiça de Deus estabelecida pelas leis divinas tem como prioridade favorecer os pobres, aos que tem por direito, ser gente.

Certamente a igreja como povo específico para ser a agenciadora da missão, deve ter como modelo de visão missionária a visão de Deus. O autor da missão deseja que sua igreja cumpra seu papel de Igreja relevante para os pobres. A anunciação das boas novas do Reino ao povo deve estar acompanhada com práticas de justiça, é ver as injustiças como Deus vê, pois ele aborrece as opressões aos pobres, estrangeiros, viúvas e órfãos (Dt.10.18; 24.17; Ex.23.1,6,7; Lv. 19.15; Ex.22.25). A missão em sua integralidade tem como alvo salvar o homem em sua totalidade, oferecendo salvação, cura do corpo, acolhimento, provisão material, libertação e dignidade humana, concedendo ao indivíduo saúde moradia, alimento digno e qualificação profissional.

A missão é desafiadora, porém não é impossível. A abertura para essa possibilidade está no simples fato de que Deus é o autor da missão, e nós como igreja somos apenas cooperadores. É em Deus que a missão se realiza, ele é o criador, o provedor, o administrador, é nele que as barreiras são superadas, nele, a igreja sairá vitoriosa na missão. A ideia de confiar em esforços humanos para fazer a missão está descartada, somente em Cristo Jesus poderá haver êxito no cumprimento do que nos foi confiado, devemos confiar em sua fidelidade, em sua promessa para a igreja, convictos de que Deus haverá de cumprir sua missão por meio daqueles que foram chamados para serem do Reino.       

A MISSÃO INTEGRAL E A IGREJA NO PLANO INTEGRAL DE DEUS

O chamado para Igreja do Senhor Jesus aqui na terra está firmado em um único propósito, e este é o de fazer a missão. Deus em sua infinita misericórdia deseja restaurar o que foi danificado pela queda (Gn. 3.1-15). A ordem divina é reconstruir, restaurar, renovar, onde o alvo aponta para novos céus e nova terra (2. Pe.3.15; Ap.21.1; 2Co. 5.17). As terríveis consequências do Éden promovidas pela desobediência do casal adâmico atingiu toda a criação, gerando total degradação com consequência de morte ao ser humano, e isto em dois aspectos, a saber: Morte física e espiritual. (Gn.2.7; 20.7; Rm.5. 12-21; Ez.18.4).

Em seu projeto restaurador, o Deus da Glória chama a igreja para ser cooperadora de sua missão aqui na terra. Nós Igreja, recebemos de Deus a missão de participarmos juntamente com ele neste projeto. Isto implica em dizer que a igreja deve atuar numa dimensão global no que se refere a reconstrução integral da criação. Logo, podemos dizer que a missão de Deus é integral e nós somos chamados para sermos ajudadores nesta missão.

Como agenciadora da missão de Deus na terra, a igreja deve atuar em todas as áreas danificadas. A ação na missão integral não está limitada apenas em obra social que de costume fazemos em algumas de nossas igrejas. A missão integral como diz Ariovaldo Ramos, não está focada apenas em uma junção  (corpo e espírito, material, espiritual). Deus em sua missão deseja transformar toda a criação. Isto implica em dizer que a igreja como agenciadora, deve desenvolver um papel de extrema relevância na sociedade. Deve ser porta-voz de Deus na pregação do Evangelho de Jesus, denunciar as injustiças sociais, envolver-se nas questões econômicas e políticas lutando pela justiça agrária e urbana (Isaias 5.8), atuar em questões ecológicas ajudando a preservar o grande jardim chamado terra (Gn. 2.15), lutar pelo direito dos desfavorecidos, trazer dignidade aos desprezados. Fazer missão integral é envolver-se com Deus de forma integralizada nas questões do Reino.

É pregando e fazendo a missão integral que a igreja demonstra seu amor pela criação. Esta deve ser a verdadeira motivação. Amar a criação como Deus ama e quem ama edifica, serve, abre mão de si em benefício do outros, a igreja deve exercer um papel de serviçal do povo.

Pedro Arana diz: “A igreja, assim como o Senhor Jesus, deve ser uma igreja do caminho e não do balcão. Ela não pode permanecer como espectadora da história: tem de descer para onde se travam as lutas reais dos homens. Ali se encontram as necessidades, que são o chamado premente da Igreja para que possa cumprir sua missão” (Steuernagel, 86).

A igreja cumpre verdadeiramente sua missão quando ela sai para fazer, traspondo os limites de seu “gueto eclesiástico”. Deve liberta-se do confinamento, de seu “mosteiro”, e partir para o cumprimento da missão. A missão torna-se relevante quando a igreja compreende que sua ação deve transpor as barreiras da inercia, do tradicionalismo, do formalismo, da postura espectadora da história, do egoísmo, dos preconceitos. Em fim, como igreja devemos repensar nosso conceito sobre missão. Concordar com a trindade, sermos cooperadores de Deus em sua missão, agentes que interagem com Deus e a sociedade.

Como igreja, é preciso compreender a dimensão do Reino e da missão. Ver a missão com os olhos de Deus, aceitar a condição de serva sabendo que a missão é de Deus e não nossa. Entender a missão na sua integralidade, Fazer a missão de Deus é cooperar, amar, servir, agir, na expectativa de uma restauração de toda a criação.

A Igreja como serva deve seguir o exemplo da cruz. A prática de justiça aos desfavorecidos não se restringe apenas aos remidos.

Trilhar no caminho da cruz implica em renunciar a si mesmo em benefício do próximo. Como diz o teólogo Dietrich Bonhoeffer, “A igreja só é igreja, quando existe para os outros”.  E esta é a árdua tarefa da igreja, prestar serviços voluntários aos outros, quer por palavras ou em atos de fraternidade. Nossas ações não devem trazer benefícios apenas para os que fazem parte do “clã-evangélico”, mas proporcionar justiça para todos os que precisam dela. Na prática, estas ações devem alcançar os mais desfavorecidos, gente esquecida pelas autoridades políticas, como sem terra, sem teto, sem habitação, sem saúde, sem alimento, sem dignidade humana. Como serva, a igreja também deve pressionar as autoridades governamentais sobre as questões da injustiça aos desfavorecidos. Deve ser porta-voz dos mais fracos e oprimidos, protestar, denunciar, clamar. A mesma indignação da parte de Deus quanto às injustiças sociais deve refletir de forma relevante na missão da igreja. Como sal e luz do mundo, somos comissionados a sermos diferentes, seguindo o caminho da cruz.

Shedd diz:

“O estilo de Jesus, que Paulo imita e pede aos seus leitores que sigam seu exemplo, é o caminho da cruz, uma vida vivida a favor de outros, sacrificando a si mesmo por um mundo que perece devido à ignorância da verdade salvadora e pela igreja empenhada em aliviar os membros destituídos da “família”. Mas essas expressões materiais de compaixão não devem ficar limitadas aos remidos. Deus fez do seu povo sal e luz (Mt.5.14-16), indicando que a semelhança do bom samaritano, os cristãos se encontram sob as ordens do Mestre a fim de estender misericórdia compassiva a todos os “próximos” necessitados (Lc.10.26s). Além disso, “ele mesmo resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo” (2 co.4.6)”. (SHEDD; 1984, p. 29-30).

A atitude de um “Bom samaritano” supera de forma alargada qualquer expectativa do sistema religioso. Esta superação está no fato de que os do Reino haverão de praticar a justiça não para receber algum tipo de recompensa ou reconhecimento terreno, mas a faz por amor a Deus e ao próximo. Esta justiça é expressa em atos de bondade, misericórdia, compaixão e acolhimento onde no sistema religioso não há espaço para tais práticas.
Nas palavras de Jesus, é revelada a grandeza e dimensão dessa justiça. Ela deve superar de forma abastarda a dos religiosos.

Disse Jesus: Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no Reino dos Céus. (Mt.5.20).  

A justiça dos escribas e fariseus estava forjada em ritos, tradições, formas e legalidades. Jesus desafia seus discípulos a prática da verdadeira justiça. Esta deveria evidenciar-se não na aparência, mas em um coração transformado pelo poder do evangelho, um estilo de vida que reflete o caráter de Deus, uma maneira de adoração onde o Eteno é glorificado, onde não há necessidade de manifestações exteriorizadas para que outros vejam nossas práticas de justiça, uma justiça não egocêntrica, mas cristocêntrica.

A prática da verdadeira justiça vivenciada pelos discípulos de Jesus deve gerar perseguição, exclusão, descriminação, descontentamento, preconceito, foi assim que aconteceu com os profetas do AT e consequentemente com os discípulos de Cristo (Mt.5.10-12).

Então, fazer a missão é servir, concordar com a trindade, é ser do Reino e encarnar seus valores, é seguir o caminho da cruz, anunciando as boas novas, praticando ações de justiça até a manifestação do Rei Jesus em glória. Como já foi dito, a igreja não deve ser apenas uma espectadora dos fatos, mas desenvolver seu papel de serva, saciar sua fome e sede por justiça, compreendendo o profundo sentido de sua missão. Ao Deus toda a Glória para todo o sempre. Amém! 


Marcos Aurélio Dos Santos.



  
BIBLIOGRAFIA:

RAMOS, Ariovaldo, Igreja e eu com isso?, São Paulo: ed. Reflexão, 2012, 51pp.

SHEDD, P. Russell, A Justiça Social e a Interpretação da Bíblia, São Paulo: ed. Vida Nova, 1984, 45pp.

QUEIROZ, Carlos, Ser é o Bastante: Felicidade à luz do sermão do monte, Viçosa: ed. Ultimato, Reflexão 2003, 229pp.

CONCORDÂNCIA BÍBLICA ABREVIADA: Edição contemporânea, E.U.A.1992. ed. Vida, 287pp.

BÍBLIA SAGRADA. Bíblia de estudos Shedd. São Paulo: ed. Vida Nova, 1998. 1786 pp.

BÍBLIA SAGRADABíblia de estudo de Genebra. São Paulo: ed. Cultura Cristã, 1999. 1710pp.

CARRIKER, TIMÓTEO. Missão Integral: Uma teologia bíblica. São Paulo: ed. Sepal, 1992. Pg. 72-88.

SITES

www.teologiabrasileira.com.br     

www.teologiaevida.com.br

http://biblecommenter.com/romans/6-18.htm

www.prcarlosqueiroz.blospot.com

www.ariovaldoramos.blogspot.com

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